A poucas horas do final da campanha já quase tudo foi dito, por vezes disseram-se mesmo coisas excessivas, coisas impróprias, coisas... ditas só por dizer.
Parece que o sim tem potencialidades para ganhar... sinceramente, espero que não passem de estatísticas por apurar.
Primeiro que tudo seria bom que os portugueses, no domingo, se decidissem efectivamente a sair de casa. O referendo, enquanto processo legal, é a nossa oportunidade de dizermos o que achamos do estado das coisas, é a nossa oportunidade de mandar um pouco, de mandar no nosso pedaço de mundo. Ao abstermo-nos vamos aumentar a falta de credibilidade do mesmo e pô-lo em causa. É importante que pensemos no acto de votar, como um direito e como um dever.
Depois... cada um terá a sua opinião. E eu tenho a minha. Tenho constatado entre amigos e colegas que votar sim está na moda. Hão-de haver aqueles que acham que é sinal de modernidade, há mesmo quem se atreva a afirmar que o sim é a ponte para que Portugal possa sair da Idade Média em que se instalou.
Além de não ser nada influenciada pelas opiniões alheias e muito menos pelas correntes ou pela moda, não concordo com nada do que tem sido dito... No Sim, não vejo a resolução do problema que todos tentam anunciar, mas a fuga ao mesmo problema. E aqui, apesar de demasiado vulgar, sem dúvida que a expressão tem aplicação: "se não os podes vencer, junta-te a eles." Logo, um dos grandes argumentos do Sim (e eu até compreendo que não é fácil fazer campanha pelo sim, os argumentos escasseiam quando se atenta contra uma vida), tem sido que o não propõe que as coisas permaneçam como estão e o sim a mudança. Ora, isto é, perante a incapacidade do estado português de controlar e impedir os abortos clandestinos, legalizam-se os mesmos, tornando tudo mais fácil, sobretudo para o próprio governo que, assim, já não pode ser acusado de incompetência. Porque não legalizar também as drogas? Já que o governo não controla o tráfico... (ou vão dizer-me que só na questão do aborto é que continuam a praticar-se ilegalidades?)
Por outro lado, o Sim também se tem refugiado numa imagem marcante (ou nem por isso): mãos femininas atrás das duras grades. Nos últimos 30 anos não houve uma única mulher presa por ter cometido um aborto ilegal. Ora, mais uma vez, esse argumento também não me comove. Temos de proteger aqueles que não têm voz ainda, os mais fracos, as únicas vítimas desta situação.
Mas o auge das opiniões pró-escolha, foi o comentário de Lídia Jorge quando se referiu ao ser humano até às 10 semanas, como "essa coisa humana". Como escritora, em primeira instância, não foi certamente feliz na escolha das palavras, desonrando as letras com a sua ignorância e insensibilidade. Diz que vota pela modernidade, defendendo-se com os argumentos mais medievais que já ouvi.... Enfim...
Oito anos depois do primeiro referendo, há uma generalização crescente da facilidade com que as pessoas têm acesso à informação. O acesso a contraceptivos tem sido facilitado. A protecção deve ser a palavra de ordem... o aborto deve ser uma excepção e não banalizado ao ponto de se, "por opção da mulher" (e é isso que diz a pergunta) até às 10 semanas, pode ser considerado um cómodo contraceptivo.
Aterroriza-me a banalização do aborto... Aterroriza-me a opinião de médicos a favor da escolha, quando essa escolha compromete uma vida, quando essa escolha é resultado de uma mera "opção" egoísta da mulher. E eu sou mulher... Defendo que a mulher manda sempre no seu corpo, mas neste caso, não se trata apenas do seu corpo... mas de uma criança que vai ser gerada. E por mais que tentem fugir à questão, tentem evitar ficar sem resposta perante perguntas difíceis, não nos podemos esquecer que o milagre da vida começa no momento da concepção. Nesse momento há todo um padrão genético que é criado: a cor dos olhos, do cabelo, certos traços físicos e mesmo psicológicos, estão ali, naquela maravilhosa mistura genética" . Às 10 semanas o coração já bate... Como é que um médico tem coragem de dizer que é a favor da escolha e contra a vida? ...
E depois restam as questões éticas... Agora, apenas por opção da mulher, pode fazer-se actuar uma "selecção não natural" e podem passar a abortar-se crianças com pequenos problemas facilmente resolvidos depois do nascimento ou por vezes mesmo durante a gestação.
E ainda outra questão não esclarecida... relativa, na minha opinião, a um dos públicos alvo: as jovens grávidas, menores de idade? Quem decide. Segundo a coerência dos argumentos aquela referida "opção da mulher" deveria ser delas. O corpo é delas... Mas, no entanto, são menores de idade, é suposto necessitarem de autorização dos pais. Isto só prova que os problemas continuam a não ser resolvidos, apenas deixados e acumulados para trás. Muitas das vezes, as mulheres decidem fazer aborto, não por "opção sua" propriamente dita, mas coagidas por familiares ou pelo respectivo pai da criança. Estas jovens continuam a não ter opção... e a deixar que os outros decidam por si.
Mais não digo... Se o sim ganhar, e tenho-me estado a tentar (infrutiferamente) preparar para essa situação, tudo vai mudar. Para melhor? Certamente não! Desacreditem-se aqueles que afirmam que o número de abortos vai diminuir, porque não vai. Aumenta, obviamente (e é esse o objectivo do sim) o número de abortos legais, agora com uma condição única: "até às 10 semanas por opção da mulher". Eventuais mulheres que poderiam ser dissuadidas pelo facto de ser ilegal ou ser incomum, com a legalização e consequente banalização do mesmo, isto representa um incentivo que poderá influenciar a sua decisão. Além disso, o sim não é a solução dos problemas. Não vão deixar de existir abortos ilegais... Nem sempre as mulheres têm tempo para realizar o aborto até às 10 semanas...
O primeiro-ministro repugna-me... Nunca há fundos, nunca há meios, para nada, nem mesmo para a Saúde, uma das áreas que deveria ser prioritária do governo. Mas para comparticipar abortos haverá... enfim...
Seria bom que as pessoas se consciencializassem da importância de uma simples palavra de três letras no referendo de domingo... Um não pode representar mais uma pessoa que vamos conhecer um dias nas nossas vidas, o sim é certamente uma condenação à morte para muitas crianças...
Se no domingo vencer o sim, é a sociedade que perde. Perde identidade, perde modernidade, perde valores, perde ... só tem a perder. Se o sim vencer, olharei para este post com a eterna mágoa banhada pelo sentimento de impotência... Mas que mais posso fazer? Nada. Apenas a garantia do meu voto no não, um não ao aborto, um sim pela vida!!!
Vânia Caldeira
"Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças."
Fernando Pessoa
| | Poema sem nome | | | Era tão pequeno que ninguém o via. Dormia sereno enquanto crescia. Sem falar, pedia - porque era semente - ver a luz do dia como toda a gente. Não tinha usurpado a sua morada. Não tinha pecado. Não fizera nada. Foi sacrificado enquanto dormia, esterilizado com toda a mestria. Antes que a tivesse, taparam-lhe a boca - tratado, parece, qual bicho na toca. Não soltou vagido. Não teve amanhã. Não ouviu "Querido"... Não disse "Mamã"... Não sentiu um beijo. Nunca andou ao colo. Nunca teve o ensejo de pisar o solo, pezito descalço, andar hesitante, sorrindo no encalço do abraço distante. Nunca foi à escola, de sacola ao ombro, nem olhou estrelas com olhos de assombro. Crianças iguais à que ele seria, não brincou com elas nem soube que havia. Não roubou maçãs, não ouviu os grilos, não apanhou rãs nos charcos tranquilos. Nunca teve um cão, vadio que fosse, a lamber-lhe a mão à espera do doce. Não soube que há rios e ventos e espaços. E invernos e estios. E mares e sargaços. E flores e poentes. E peixes e feras as hoje viventes e as de antigas eras. Não soube do mundo. Não viu a magia. Num breve segundo, foi neutralizado com toda a mestria. Com as alvas batas, máscaras de entrudo, técnicas exactas, mãos de especialistas negaram-lhe tudo ( o destino inteiro...) - porque os abortistas nasceram primeiro. Renato de Azevedo | | |