Para sonhadores... Deixem-se levar... O blog mudou de cores, mas os sonhos são os mesmos...

25
Set 06

Tinha medo de sonhar, medo de deixar renascer em mim algo que se parecesse com esperança ou ilusão. Medo de ver além daquilo que é certo, medo de voar demasiado alto, medo de alargar exageradamente os horizontes. Na realidade, todos estes medos estavam intimamente ligados a um medo global e paralisante que, dia após dia, se ia apoderando de mim: o medo de cair.

O medo de uma ambição cega que me concedesse, como a Ícaro, frágeis asas de ilusão. Que me levasse a voar por terras de sonho, que me levasse até bem perto do sol... Até bem perto de um sorriso e de uma felicidade renovada. E que no auge, as frágeis asas de cera se derretessem... e o sol que parecia o sonho se torne novo pesadelo, que culmina com a minha queda no bravio e mortal mar Egeu.

Este ano criei, concebi e recoloquei as minhas frágeis asas que me elevarão durante uma pequena (grande) jornada. A jornada da minha vida, que decide o meu futuro. Vou tentar voar rente ao chão, afastada do Sol e da esperança que queima. Vou tentar Medicina novamente. E a esperança de entrar, tão depressa me move e é a razão de tudo, como se não se realizar me pode perder para sempre.

Tinha prometido a mim mesma que não voltaria a levantar vôo. E, no entanto, quando há algo dentro de nós mais forte que nós próprios, uma força que nos guia e leva num determinado sentido, nada conseguimos fazer contra. Eu tinha uma vontade implícita de concretizar este sonho, uma grande necessidade de deixar voar esta vocação... Mas um grande medo também.

  

Ainda me recordo do que deu nome a este blog... Passeva eu com uns grandes amigos meus (o Valter, a Vânia, o Ricardo) na marina de Portimão, depois de uns excelentes dias em Sevilha (fomos à Isla Mágica), quando, de repente, o meu olhar se prendeu num desses inúmeros barcos, vendo nele talvez, uma mensagem para mim, já que tinha um nome muito diferente de todos os outros, escolhidos por questões religiosas, futebolísticas ou meramente casuais e que aos meus olhos pareciam por demais ridículos. Aquele representava um ideal, era a expressão máxima de tudo aquilo que todo o homem devia ser: "Dreamfinder". E este nome extraordinário, simplesmente delicioso, salta dos meus lábios com uma memória tão recente que estas férias poderiam ter sido (e não foram!) há uma semana atrás! Não há expressão em português que possa traduzir a magia que o significado daquele nome teve para mim. É esse o meu ideal, o meu sonho para a vida: procurar incessantemente sonhos que me alimentem a alma e encontrar meios para os concretizar, desbravando todos os caminhos, pairando sobre todos os céus e navegando em todos os mares. Nesses meus sonhos, imagino, crio e invento um mundo perfeito. Mas deixemos o barco dos sonhos partir para esse mundo onde tudo é possível...

Este ano de Letras... foi excepcional. Aprendi muitas coisas, sinto-me mais rica, uma pessoa muito mais completa. Conheci muitas pessoas novas, grandes amigos, professores verdadeiramente entregues ao seu trabalho, autores que nunca pensei tão geniais. Sei que este ano, em grande parte, me transformou.

E outra coisa curiosa... Adorei o Italiano, enquanto língua, a professora excepcional que tive (Dra. Debora Ricci)... e houve uma coisa que aprendi, e que sei, que nunca vou esquecer... Enquanto nós falamos em projectos e sonhos de vida... os italianos têm uma expressão para dizer o mesmo: "sogno nel cassetto", o que à letra significaria "sonho na gaveta". E como esta expressão se identifica comigo... Há um ano guardei, com tristeza, o meu sonho numa das gavetas do armário da vida, sobre o qual assentou o pó da desilusão... E ele continua lá trancado, a chave escondi-a e fugi para longe dessa gaveta, desse armário, desse quarto, dessa casa... Mas ele anseia pela liberdade e, sobretudo, pela sua concretização e preciso de muita coragem para o deixar sair! Agora essa gaveta encerrada, foi novamente aberta... e o sonho saltita enquanto aguarda um resultado. Decisivo para ele, que poderá ser finalmente livre ou ficar para sempre trancado na tal gaveta, esquecido no passado... decisivo para mim, que terei ou não a possibilidade de me realizar, de dar asas à minha vocação...

E assim, olhei o horizonte... olhei o perigo de nova queda, talvez esta fatal. Hesitei... Mas porque a vida é um percurso que, acredito, só se trilha uma vez, abandonei esse medo do sonho e da esperança, ganhei asas e voltei a voar. Arrisquei novo vôo e assim nova e provável queda. Mas pelo menos eliminei esse medo de voar e um possível arrependimento de não o ter feito. Voarei baixinho, evitando grande queda, mas voarei... Porque as asas divinas que me foram concebidas são mais fortes que o destino, as tempestades e o meu medo!

5 de Setembro de 2006

Vânia Caldeira

publicado por Vânia Caldeira às 15:00
sinto-me: insegura

19
Jul 06

"Sonho, ilusão

A universidade,

Doce é o destino que faz o estudante abraçar

Templo do livro e do copo

Na verdade

Solta-se um travo amargo quando é hora

De a deixar.

Adeus, àminha terra eu vou voltar

Mas hei-de sempre cantar

O hino da Faculdade

Levo a negra capa e batina

Saberei para toda a vida

O que é sentir saudade.

Adeus, à minha terra eu vou voltar

Mas hei-de sempre cantar

O hino da faculdade

Tenho a lua por companheira

Cantarei a noite inteira

Pelas ruas da cidade.

Choram as guitarras

Trovas mudas

Clamam versos rebuscados de um sonhador

Confundi já no meu peito

Mil ternuras

Agora vou embora,

Mas não esqueço o sabor."

Música da INOPORTUNA

Tuna Académica da Faculdade de Letras de Universidade de Lisboa

publicado por Vânia Caldeira às 15:48
sinto-me:

20 de Setembro de 2005

"É frequente encontrarmos o nosso destino nos caminhos que tomámos para o evitar."

Jean de la Fontaine

Acho que, de certa forma foi isso que me aconteceu. Costumo rejeitar com fervor a ideia temerária e absolutista de que o destino está escrito. Não me assustam as linhas que o possam constituir mas a incapacidade do homem de as mudar... Qual seria então o fundamento da nossa vida? Viver unicamente e passivamente o destino que nos foi atribuído é como ser o actor de uma peça que alguém escreveu ou a marioneta controlada por alguém. Que sentido faria a nossa frágil e dissimulada existência?

Coincidência ou não tive exactamente as mesmas notas nos exames nacionais de Biologia e Química: 16,6. E para que esse inexorável destino em que não acredito (ou tento não acreditar!) se cumprisse... não entrei! Não concretizei o sonho que tenho vindo a construit, não pus à prova o projecto que meticulosamente tracei. A minha vida perdeu um pouco de mim mesma, um pouco dela própria. O meu único consolo foi a voz doce e preocupada de quem me deu a notícia... Não me lembro como reagi... inicialmente bem, depois mal. Lembro-me de ter ficado muito contente com a sua entrada em Enfermagem... muito mesmo. Fiquei de rastos o resto da noite... e os dias que se seguiram. Tive óptimos amigos do meu lado! E a eles estarei eternamente grata, independentemente dos diversos caminhos que seguirmos.

Sempre desejei Medicina acima de tudo, mesmo sabendo a luta difícil que teria de travar, contra as notas exigentes, as convenções sociais num país em que os sonhos nos são cruelmente roubados... Mesmo conhecendo a enorme possibilidade de fracassar... tal como aconteceu!

Talveu o meu destino tenha acabado por conseguir apanhar-me... As Letras acabaram por conseguir capturar-me (pois o meu 20 no exame de Português deu-me uma óptima nota de candidatura de 19,05): não, claro, contra a minha vontade. Lembro-me de em pequena dizer que queria ser escritora. Mas hoje as coisas mudaram... continuo a gostar de escrever, embora tenha perdido o enorme interesse de miúda pela escrita de poesia... A prosa dá-me mais liberdade, permite-me muitas mais coisas... Agora gosto apenas de ler poesia: adoro Torga ou Cesário Verde. Apesar de gostar de Letras e de achar que me vou dar, pelo menos, razoavelmente bem nesta área... sei (e esta certeza está bem no meu íntimo, segura de si própria) que não será em Letras que obterei a minha realização. Tenho a absoluta certeza que não... Para já... veremos que água irá correr pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

publicado por Vânia Caldeira às 14:51
sinto-me:

01
Jul 06

 Já lá vai o tempo em que ter um curso universitário valia alguma coisa... Pelo menos valia um emprego. Agora: é uma óptima forma de gastar o nosso tempo, de aprendermos e de nos divertirmos, de gastarmos o dinheiro aos pais e de ... termos o desemprego como certo.

Sempre gostei particularmente de ler e escrever e cheguei mesmo a pensar seguir um curso na área das Letras. Porém, perante o estado das coisas optei pelo Agrupamento 1. No entanto, e como no ano anterior, por algumas décimas, não entrei no curso que queria... Decidi que iria fazer uma experiência nas Letras e que se percebesse que afinal era isso que eu queria nada nem ninguém me impediria de lá ficar.

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa: uma fantástica experiência! Antes de mais pude conhecer a vida universitária, o que não aconteceu a colegas minhas que ficaram mais um ano em casa para tentar mudar de curso. Conheci Shakespeare, Aristóteles, Platão, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, Gabriel Romagnoli, Cervantes, Homero, Vergílio, Ésquilo, Sófocles, Teolinda Gersão, Sophia de Mello Breyner,... Tive cadeiras fantásticas como Bases de Análise Gramatical, Linguística, Literatura, Cultura Clássica, Cultura Espanhola, ... Aprendi Italiano e Espanhol...

Mas depois de um ano com óptimas notas (pelo menos comparativamente às que são comuns naquela faculdade) percebi que, por um lado, não é verdade o que os de Ciências costumam dizer: as Letras são muito mais fáceis. Não é verdade. O rigor dos professores catedráticos, muitos deles, é bastante grande. O resultado: notas sempre muito baixas, já que cheguei à conclusão de que vão para as Letras os alunos que não conseguem entrar em mais lado nenhum ou os que pensam que é mais fácil. As Letras estão decadentes por isto. As pessoas que poderiam triunfas nelas (e devem ser muitas), percebem que elas não garantem um emprego e desistem da ideia.

Quanto a mim... Durante um ano excepcional, senti, no entanto, falta do rigor científico e da exactidão das ciências, das novidades e de toda a vida que gira em torno das ciências. Mas as letras foram uma experiência que me influenciará a minha vida futura: nas leituras, na análise dos textos literários, na escolha do que ler...  De qualquer forma, este ano voltei a estudar para os exames nacionais de Química e Biologia... E espero que consiga entrar, pois com o passar do tempo percebo cada vez mais que é isso que quero!

Voltanto ao estado actual do país para os jovens... As oportunidades não existem! Nem para os com curso, nem para os outros. Um colega meu tirou Comunicação e Cultura na Lusófona e continua a fazer o mesmo que fazia antes: trabalhar num escritório de seguros (que, por sinal, é dos avôs). Outros, sem curso ou quem curso, desesperados, vão a uma grande empresa pedir para ir para Angola, pois o ordenado está na ordem dos 1500 € .

Este país não está a pensar em nós... E não sabe o que perde!

Vânia

publicado por Vânia Caldeira às 10:34
sinto-me: Triste

04
Mai 06

 

sexta-feira, 24 de Setembro de 2004
 
Nunca acreditei muito no Amor, entidade estranha e misteriosa, credível apenas nos grandes romances e histórias de amor. Entidade com poder para glorificar filmes ou vender livros... Fonte divina de inspiração para poetas, nota primeira dos músicos. Nada mais que isso... Pelo menos... até há uns tempos!
Vivemos num tempo em que se perpetuam as relações fúteis, baseadas em rotina, sexo e mentiras, vazias de sentimentos sinceros ou ingénuas intenções. Parecia-me, por isso, impossível, num tempo como o nosso, poder dizer-se que duas pessoas foram feitas uma para a outra ou falar em “almas gémeas”...
“Em busca do tempo perdido”... É isso mesmo!
Há poucos meses conheci um rapaz no Bar da Quinta, verdadeiro exemplar de beleza, simpatia e elegância. Com o passar do tempo percebi que as suas qualidades só podiam aumentar: é bem-disposto, estuda “Línguas e Literaturas Modernas” na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e é muito trabalhador.
André!... O nome flui na minha cabeça como uma torrente de água correndo num só sentido, com uma só força. Por duas vezes esteve na minha mesa, meros acasos ou situações que propiciou. Nesse dia, porém, tudo foi tão diferente...
Ao fim de algumas bebidas oferecidas, perguntou-me serenamente se estava a ler alguma coisa, enquanto fixava o seu atento olhar no meu. Não entendi... Repetiu.
Foi então que me disse que tinha um óptimo livro para me emprestar... Sorriu e foi atender outra mesa.
Cerca de quinze minutos mais tarde, continuo a observar-lhe os movimentos como, aliás, fiz durante toda a noite. O meu olhar segue-o enquanto pega na chave do carro, vendo-o desaparecer na porta, para pouco depois reentrar com o seu sorriso sincero e um livro na mão...
“Em busca do tempo perdido”: falou-me dele noutro dia – parece ser o seu livro favorito... E está agora nas minhas mãos, suportando toda a sua essência, sensibilidade, todo o seu espírito. Lembrou-se de mim... Trouxe-me o seu livro. Parece uma dessas histórias dignas de um romance: não, não estou a sonhar!
Marcel Proust...
Volta a chegar-se à mesa dizendo que tem imenso tempo. Pega no livro (que eu colocara com todo o cuidado, com todo o carinho, ao meu lado num banco), abre certeiramente na página desejada e aponta, terno, um parágrafo. Recomenda-me que o leia e sai, deixando no ar o seu charme e em mim enormes emoções incertas. Página 398... Não esquecerei jamais este número, aquela página, aquele parágrafo... E sobretudo aquilo que ele significa, a forma como foi premeditadamente escolhido e dedicado... a mim!
«E pensar que estraguei anos da minha vida, que desejei morrer, que dediquei o meu maior amor a uma mulher que não me agradava, que não era o meu tipo.»
Agora acredito, talvez ingenuamente, que esse Amor é possível e que se constrói, dia após dia, com gestos, sorrisos, surpresas, ...
Embora ler seja um prazer e um hábito desde pequena, nunca pensei que um livro viesse a ter um significado tão profundo para mim. Hoje sei, depois de uma atenta e especial leitura, que Marcel Proust faz constantes invocações ao poder e à importância da memória enquanto construção de um mundo habitável, enquanto forma única de criação de uma verdadeira humanidade. E percebo. A mesma memória que o autor faz nascer numa personagem ao provar as doces madalenas (que lhe recordam pessoas e situações) vejo espelhada neste livro de capa branca. Ser-me-á impossível, no futuro (mais ou menos distante), dissociar este livro, esta capa, este título ou mesmo o autor, de uma experiência única e inesquecível da minha vida, de um momento fantástico da minha adolescência, de uma pessoa extraordinária que conheci e sobretudo de um nome... que nem sequer aparece no livro: André.
À saída agradeci, meti conversa, descobri variadíssimas coisas da sua vida, o seu número de telemóvel e guardei, como um tesouro, um delicioso beijo, um livro prometedor e um simpático e tímido “Fico à tua espera...”.
Este rapaz anda “em busca do tempo perdido” e, no entanto, na sua companhia, parece inconcebível existir o conceito de “tempo perdido”. Quem não perdeu mais tempo fui eu que me dediquei verdadeiramente à apaixonante leitura daquela irrefragável proposta... Dediquei-me a ler e, claro, a sonhar...
 
Vânia Caldeira
 
sexta-feira, 31 de Dezembro de 2004
 
«...essa angústia que existe em sentir o ser que se ama num lugar de prazer onde não estamos, onde não podemos estar com ele, foi o amor que lha fez conceder, o amor, ao qual essa angústia está de algum modo predestinada, pelo qual será monopolizada, singularizada; mas quando, como comigo aconteceu, ela entrou em nós antes ainda de ele ter aparecido na nossa vida, ela flutua à sua espera, vaga e livre, sem afectação determinada, um dia ao serviço de um sentimento, amanhã de outro, ora de ternura filial, ora da amizade por um colega.»
Marcel Proust
“Em busca do tempo perdido – Do lado de Swann” (p.37)
 
 
sexta-feira, 27 de Maio de 2005
 
Adeus André! Sim, adeus! Escusas de vir com os teus contos de fadas, a tua voz melodiosa ou o teu tom doce... Escusas de tentar novas investidas, de exibir o teu sorriso n.º10, de demonstrar o teu conhecimento... Escusas de vir com lições de vida, com convites inesperados, com propostas tentadoras... Escusas também de tentar fazer-me ciúmes com outras, de me procurares no café ou de tentares fazer-te de vítima... Escusas! Tudo é, por demais, escusado!
Luto, à meses, contra ti e contra mim mesma: contra esta paixão que me cegou, atolou e prendeu!
Via todos os teus defeitos e eles chegaram mesmo a arder-me na pele... mas continuava presa à imagem perfeita e inexistente que para ti eu própria criei!
Tens estado a jogar e a fazer batota! Porque acreditas que, no fim, só tu podes ganhar! Porque sempre foi assim, porque não concebes que seja de outra forma...
Não me deves nada, nunca me prometeste absolutamente nada. No entanto, cada vez que me tento afastar de ti, consciente da enorme distância entre o que és e o que eu te concebi, vens com o teu jeito que enrola e prende.
Mas chega! Há cerca de cinco meses atrás propus-me a esquecer-te... Poucos dias depois oferecias-me, inesperadamente, um CD da Inoportuna. Não me mandas toques nem mensagens nunca, a não ser que me sintas mais distante.
Por isso chega! É uma decisão que me parece definitiva, a derradeira decisão, o último adeus... porque não é uma despedida motivada, como há meses, pela pura razão, pela voz da consciência! É um adeus sentido, magoado e profundo... Sei que não me estou apenas a tentar convencer: sinto que cansei deveras!
Seremos, com prazer, amigos se souberes aceitar que, desta vez, a história escreve-se de outra forma, o jogo termina aqui, tudo aquilo que te dei passo a dá-lo a mim mesma... Amigos sim, se conseguires aceitar que, desta vez, quem ganhou o jogo... fui eu!!!
 
Vânia Caldeira
 
 
sexta-feira, 1 de Julho de 2005
 
Embora ainda me sinta tentada, várias vezes, a perscrutar com o olhar os mais perfeitos recantos do corpo do Pinto, torna-se cada vez mais certo e inevitável a descoberta dos seus irremediáveis e egocêntricos defeitos.
Mas não resisto a pensar... Como tínhamos uma história perfeita.
Tudo, excepto ele, era perfeito na nossa relação e prometia acabar bem. Vivemos uma história digna de um filme ou romance...
Desde o facto de eu, a início, nem sequer reparar nele, os seus idiotas piropos iniciais, a surpresa quando apareceu a trabalhar no bar, o facto de estudar Letras...
Depois foi o livro que trouxe. Tal como o começo das grandes e imprevisíveis histórias de amor! E os momentos de ingénua paixão com expressivos e carinhosos olhares, com toques infantis, com histórias para contar, com mensagens sobre tudo e a toda a hora.
Começaste então a querer cruzar os nossos percursos, ora dizendo, quando eu tinha como destino outro local “Então hoje ficamos por aqui”, ora com convites para sair contigo.
Docemente foste aprisionando o meu olhar no teu...
No Carnaval só tu conseguiste fazer-me sair. Eu, que detesto essa época do ano. Levaste-me à vossa república, àquele espaço secreto e reservado onde o vosso grupo se reúne e disseste-me que fui a única rapariga a ter conhecido tal local.  E continuavas a prender-me, gesto após gesto.
Outra parte bonita do nosso romance: quando apareceste corajosamente no meu café, vindo do trabalho, estranhamente com as calças todas sujas e a t-shirt branca muito limpinha... Acabaste por confessar que a trouxeras de propósito no carro...
Uma única vez... Não mais lá apareceste! Olho uma e outra vez os tubinhos com as inscrições “Bar da Quinta” que me deste... Estão carinhosamente guardados ao lado da minha foto... Olho o livro de Marcel Proust...
André... “Como te lembro... Como me dóis.” Foste a minha prisão, o “ossuário dos séculos e dos sonhos dos homens” donde me libertei.
Tu eras de Letras... Podias ter escrito um final mais bonito na nossa história... Ah, se podias...
publicado por Vânia Caldeira às 20:26
sinto-me:
música: Sei-te de cor (Paulo Gonzo)
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