Tinha medo de sonhar, medo de deixar renascer em mim algo que se parecesse com esperança ou ilusão. Medo de ver além daquilo que é certo, medo de voar demasiado alto, medo de alargar exageradamente os horizontes. Na realidade, todos estes medos estavam intimamente ligados a um medo global e paralisante que, dia após dia, se ia apoderando de mim: o medo de cair.
O medo de uma ambição cega que me concedesse, como a Ícaro, frágeis asas de ilusão. Que me levasse a voar por terras de sonho, que me levasse até bem perto do sol... Até bem perto de um sorriso e de uma felicidade renovada. E que no auge, as frágeis asas de cera se derretessem... e o sol que parecia o sonho se torne novo pesadelo, que culmina com a minha queda no bravio e mortal mar Egeu.
Este ano criei, concebi e recoloquei as minhas frágeis asas que me elevarão durante uma pequena (grande) jornada. A jornada da minha vida, que decide o meu futuro. Vou tentar voar rente ao chão, afastada do Sol e da esperança que queima. Vou tentar Medicina novamente. E a esperança de entrar, tão depressa me move e é a razão de tudo, como se não se realizar me pode perder para sempre.
Tinha prometido a mim mesma que não voltaria a levantar vôo. E, no entanto, quando há algo dentro de nós mais forte que nós próprios, uma força que nos guia e leva num determinado sentido, nada conseguimos fazer contra. Eu tinha uma vontade implícita de concretizar este sonho, uma grande necessidade de deixar voar esta vocação... Mas um grande medo também.
Ainda me recordo do que deu nome a este blog... Passeva eu com uns grandes amigos meus (o Valter, a Vânia, o Ricardo) na marina de Portimão, depois de uns excelentes dias em Sevilha (fomos à Isla Mágica), quando, de repente, o meu olhar se prendeu num desses inúmeros barcos, vendo nele talvez, uma mensagem para mim, já que tinha um nome muito diferente de todos os outros, escolhidos por questões religiosas, futebolísticas ou meramente casuais e que aos meus olhos pareciam por demais ridículos. Aquele representava um ideal, era a expressão máxima de tudo aquilo que todo o homem devia ser: "Dreamfinder". E este nome extraordinário, simplesmente delicioso, salta dos meus lábios com uma memória tão recente que estas férias poderiam ter sido (e não foram!) há uma semana atrás! Não há expressão em português que possa traduzir a magia que o significado daquele nome teve para mim. É esse o meu ideal, o meu sonho para a vida: procurar incessantemente sonhos que me alimentem a alma e encontrar meios para os concretizar, desbravando todos os caminhos, pairando sobre todos os céus e navegando em todos os mares. Nesses meus sonhos, imagino, crio e invento um mundo perfeito. Mas deixemos o barco dos sonhos partir para esse mundo onde tudo é possível...
Este ano de Letras... foi excepcional. Aprendi muitas coisas, sinto-me mais rica, uma pessoa muito mais completa. Conheci muitas pessoas novas, grandes amigos, professores verdadeiramente entregues ao seu trabalho, autores que nunca pensei tão geniais. Sei que este ano, em grande parte, me transformou.
E outra coisa curiosa... Adorei o Italiano, enquanto língua, a professora excepcional que tive (Dra. Debora Ricci)... e houve uma coisa que aprendi, e que sei, que nunca vou esquecer... Enquanto nós falamos em projectos e sonhos de vida... os italianos têm uma expressão para dizer o mesmo: "sogno nel cassetto", o que à letra significaria "sonho na gaveta". E como esta expressão se identifica comigo... Há um ano guardei, com tristeza, o meu sonho numa das gavetas do armário da vida, sobre o qual assentou o pó da desilusão... E ele continua lá trancado, a chave escondi-a e fugi para longe dessa gaveta, desse armário, desse quarto, dessa casa... Mas ele anseia pela liberdade e, sobretudo, pela sua concretização e preciso de muita coragem para o deixar sair! Agora essa gaveta encerrada, foi novamente aberta... e o sonho saltita enquanto aguarda um resultado. Decisivo para ele, que poderá ser finalmente livre ou ficar para sempre trancado na tal gaveta, esquecido no passado... decisivo para mim, que terei ou não a possibilidade de me realizar, de dar asas à minha vocação...
E assim, olhei o horizonte... olhei o perigo de nova queda, talvez esta fatal. Hesitei... Mas porque a vida é um percurso que, acredito, só se trilha uma vez, abandonei esse medo do sonho e da esperança, ganhei asas e voltei a voar. Arrisquei novo vôo e assim nova e provável queda. Mas pelo menos eliminei esse medo de voar e um possível arrependimento de não o ter feito. Voarei baixinho, evitando grande queda, mas voarei... Porque as asas divinas que me foram concebidas são mais fortes que o destino, as tempestades e o meu medo!
5 de Setembro de 2006
Vânia Caldeira