Desde ontem que tudo estava estranho lá em casa. A mãe não voltara do trabalho e o pai dissera-lhe que surgira uma cirurgia urgente no hospital e que ela acabara por ser necessária. Fora dormir sentindo saudade das doces palavras da mãe, quando esta lhe lia uma história todas as noites, e lhe dava aquele mágico beijo de bons sonhos.
Mas hoje a casa estava ainda mais esquisita. Não só a mãe continuava ausente, como havia um ambiente estranho. A família viera toda para uma não planeada visita. Porém, vagueavam pela casa como zombies, de rostos tristes e olhares vazios. Ausentes. Como a sua mãe. Onde andaria ela, que nunca mais voltava para lhe explicar o que se passava?
A avó esboçou-lhe um doloroso sorriso e ele conseguiu ver os seus velhos olhos, datados pelas duras rugas, vermelhos e doridos, como daquela vez em que a Joana lhe partiu o seu brinquedo favorito. E ele chorou e chorou. No fim, os seus olhos também estavam assim.
Ainda por cima tinham todos decidido vestir-se de preto. Chegava a meter medo.
Farto de se sentir posto de parte, procurou o pai pelos corredores da casa. Quando o encontrou, parecia anos mais velho. Uma expressão carregada de algo que ele não sabia bem reconhecer. Mas que doía e muito.
O pai olhou-o com toda a sua ternura e disse-lhe que a mãe tinha ido para o céu. "Então e a que horas volta?", ouviu-se ecoar pela casa.
O pai engoliu em seco. Não sabia o que dizer ao filho, como o dizer. Estas coisas simplesmente não deviam acontecer.
Ganhou coragem, emoldurou o pequeno e delicado rosto do filho entre as suas mãos, e explicou-lhe que a mãe não voltava mais, tinha partido para sempre.
O menino de lindos olhos verdes e cabelos loiros, cheios de sonhos, voltou ao hall de entrada. Pensou no que o pai lhe dissera e percebeu que ele estava enganado, como daquela vez em que a mãe lhe pedira para trazer queijo e ele trouxera fiambre. Típico do pai. Como é que a mãe se podia ir embora de vez? Quem é que tomaria conta da casa, lhe diria o que vestir, lhe faria o almoço ou ajudaria nos trabalhos de casa? E como é que o hospital sobreviveria sem ela? Não podia ser. Afinal ela despedira-se dele, no dia anterior, com o beijo de sempre e a pressa do costume para ir trabalhar. E tinham combinado ir ao jardim botânico no próximo fim-de-semana. Não lhe disse que não voltava. Não o avisou que era para sempre...
Certo de que o pai estava enganado, ele dirigiu-se para a porta. Sentou-se num dos degraus da entrada e limitou-se a esperar que a mãe simplesmente voltasse para casa.