Fiquei triste com as notícias. Recordei-me de uma visita que fiz, há alguns anos, com o grupo de jovens à Comunidade Vida e Paz, que se dedica ao apoio aos sem-abrigo. Lembro-me que foi também nesta quadra natalícia que os visitámos. Fomos convidados para actuar na Festa de Natal que esta comunidade realiza todos os anos. Durante algumas semanas fizémos uma campanha de recolha de cobertores e roupas junto da paróquia, que aderiu vivamente à iniciativa.
Como me recordo tão bem dessa visita, dessa experiência única. Recordo os olhares perdidos, meio envergonhados, deslocados, incertos, desconfiados, carentes de cada um destes sem-abrigo.
Afinal podemos ter muitas coisas. E, certamente, gostaríamos de ter muitas outras que não temos. No entanto, e apesar de tudo o que possamos ter (ou não), há uma coisa particularmente importante: a casa. É o que temos de mais nosso, é onde nos recolhemos, onde nos abrigamos, onde nos sentimos protegidos... é o nosso micro-cosmos.
Talvez por não terem um tal universo a que possam chamar seu, um lar, uma casa... o olhar perdido e vago é por demais evidente na expressão daqueles homens e mulheres.
Recordo-me também da forma alegre e bem-disposta como aderiram às nossas músicas, a felicidade estampada nos sorrisos que nos ofereceram como agradecimento.
E, por fim, lembro-me das expressões dos que se dedicam a ajudar esta causa. O empenho, a dedicação, o trabalho, a total entrega, a confiança e a esperança na mudança, a crença na solidariedade... Todos esses sentimentos expressos numa vontade única de ajudar. Ao vê-los tive a certeza de que se sentiam recompensados, apesar de todo o esforço. Tive a certeza de que a experiência era gratificante.
Quando vi na televisão o rosto, claramente desgostoso e desanimado, de um dos responsáveis pelas inúmeras campanhas que decorreram ao longo deste ano, percebi a sua mágoa e fiquei triste. Tudo foi roubado: meias, brinquedos, roupas, comida...
A festa de Natal ficou comprometida. E, no entanto, apesar de todo o desânimo, persiste uma mesma vontade, um resto de esperança de conseguir mais algumas ajudas até ao dia da festa de Natal.
Há quem diga que "Deus escreve direito, por linhas tortas". As linhas desta história são muito irregulares. Mas o que foi escrito é, no mínimo, curioso e bonito. Quando via ocasionalmente um programa de TV, percebi que uma actriz tinha conseguido ganhar o jackpot e, assim, levar 50% do prémio para uma causa nobre. Adivinhe-se qual a instituição em causa: a Comunidade Vida e Paz. 40.000 euros é o valor que se destina a esta causa.
Impressionante. Dia após dia têm desfilado diferentes causas por aquele mesmo programa e têm levado valores quase simbólicos. E hoje sai o grande prémio exactamente a esta instituição que, após o assalto, ficara com os seus objectivos para este Natal comprometidos.
Que belo presente de Natal! Ainda bem que isto aconteceu, num mundo tão injusto é bom que estes golpes de sorte e felicidade contemplem quem realmente precisa (os sem-abrigo) e quem merece (os voluntários que tanto se dedicam a esta causa). Espero que esta comunidade tenha um óptimo Natal.