Naquela tarde chuvosa, que se parecia compadecer dela, ela chorava... Grossas lágrimas magoadas escorriam pelo seu belo rosto, caíam uma a uma sobre a colcha da cama...
Chorava por amor. Amava-o demais para conseguir pensar noutra coisa. Chegara a um ponto tal, que não era capaz de começar a ler um livro sem que rapidamente as letras deixassem de fazer sentido como um todo, ficassem vazias de significado e apenas a impelissem a flutuar longe daquelas páginas, no seu próprio livro interior, livro de memórias felizes, simultaneamente dolorosas e dóceis... Contemplando a chuva pela janela, recordava cada sorriso dele, cada gargalhada harmoniosa partilhada por ambos, cada gesto de carinho, cada palavra suspirando preocupação e ternura. Lá fora, a chuva...
Perdida nos seus pensamentos, ela perguntava-se como era possível que só ele não visse. Todos os colegas de ambos se apercebiam do clima mútuo que pairava entre os dois, da perfeita hamonia que viviam quando estavam juntos, de como eram felizes um ao lado do outro. Mas só ele parecia não querer ver. E por isso a alma dela estava preenchida de uma chuva interior, que a varria e a deixava nua, vulnerável, dobrada sobre si mesmo e sobre o seu sofrimento. Coisa insignificante, longe da linda rapariga confiante e ambiciosa que outrora fora.
Apesar de ele nunca ter mencionado o assunto (e porque não o teria feito?!), ela sabia que ele tinha namorada. Perante essa enorme dor que a fazia sucumbir, decidiu convencer-se de que era, muito provavelmente, inferior à tal rapariga. A outra seria mais bonita, mais inteligente, mais interessante, mais perfeita. Ele certamente gostava da namorada. Mas essa falsa consciencialização não a tornava imune à dor nem ao sofrimento e as lágrimas impiedosas continuavam a distorcer-lhe a face, tal como a chuva continuava a bater, cada vez com mais força, no vidro molhado da sua janela.
O que ela não sabia, nem nunca iria saber, é que a alguns quilómetros da casa dela, ele também se sentia miserável. Achava-se desprezado, fizera tudo o que pudera - achava ele - para que ela olhasse para ele, se aproximasse dele e tudo o que conseguira, pensava olhando a dureza da chuva lá fora, era a sua amizade. Era certo que ele tinha namorada, tão certo como o facto de que a monotonia em que o seu namoro o aprisionara não era paixão e muito menos amor: era apenas a força do hábito a impôr-se, um estúpido comodismo a disfarçar o enorme medo da solidão.
Mas estava disposto a terminar o namoro, a acabar tudo para poder ser feliz ao lado dela... só precisava da certeza, de um sinal de que era correspondido... um pequeno gesto, uma palavra... qualquer coisa que lhe desse força para fazer aquilo que ele mais desejava. Não! Ele tinha de a esquecer. Ela era apenas sua amiga e, por mais que isso fosse doloroso, teria de se conformar com essa realidade. Teria de se habituar a vê-la como uma grande amiga, tal como se habituara às repetidas e desinteressantes tardes de domingo no sofá dos seus sogros. Pelo menos, era mais fácil do que romper um namoro de dois anos, ter de explicar o que se passava à namorada e, ainda por cima, enfrentar os pais da mesma, que sempre o trataram tão bem. Tudo isto correndo o risco de levar um "não". Achou que a sua felicidade não valia o esforço...
Eles não sabiam, nem poderiam saber, que partilhavam os mesmos sentimentos, não sabiam que padeciam dessa mesma dor injustificada, desnecessária... Tudo se resolveria apenas com uma pequena dose de sinceridade. Mas não! Ambos eram demasiado envergonhados para assumirem o que sentiam. Não, na verdade, não era uma questão de vergonha, mas de orgulho! O orgulho que lhes barrava o caminho para a felicidade... por falta de coragem para trepar esse muro, por falta de auto-estima para acreditar que era possível e pelo estúpido medo de ficar só.
Passariam anos, cada um deles construíria com sucesso a sua carreira profissional, formariam família e teriam uma vida estável. A estabilidade que se pinta com os mesmos tons da monotonia e das certezas absolutas. Uma vida igual à de tantas outras pessoas. Um amor, apagado, ou o que resta dele - meras cinzas que já arrefeceram -, um amor murcho mas garantido, tido como certo. Sem riscos, sem medos, sem surpresas...
O que eles não podiam prever, nessa vida supostamente perfeita, é que nunca se esqueceriam. Restaria sempre, em ambos, uma pequena mágoa, um "e se..." sonhador e castrador, que perdera qualquer oportunidade de se concretizar, apenas devido ao medo, à cobardia e ao orgulho.